segunda-feira, 16 de abril de 2012

Anotações de como o Rio venceu o sequestro.

No final de 1997, foi sequestrada na Tijuca uma senhora de 74 anos, mulher do ex-presidente de uma grande multinacional. Um mês antes o Rio tinha estabelecido um plano de combate ao seqüestro, baseado num acurado diagnóstico. Era este seu primeiro grande teste.

A DAS iniciou suas investigações de acordo com as diretrizes programadas: além do uso de tecnologias avançadas de inteligência e de investigação, três objetivos principais deveriam ser atingidos para a operação ser considerada um sucesso: a vítima deveria ser libertada graças à ação da polícia; o resgate não poderia ser pago; e seqüestradores deveriam ser presos. O delegado Marcos Reimão não abria mão de qualquer destes princípios, tendo em vista que o objetivo final era livrar o Rio de Janeiro daquele tipo de crime.

Acontece que, nem bem iniciadas as investigações, entraram em cena executivos ingleses, de uma empresa especializada em negociar libertação de reféns para seguradoras internacionais. Logo ficou claro que havia uma diferença de objetivos entre os dois grupos. Foi percebido que aqueles estrangeiros gentis podiam estar ocultando dados, em favor de sua estratégia de levar os seqüestradores a libertar a vítima assim que possível. Reimão colocou - sem informar detalhes de sua qualificação - um delegado fluente em inglês acompanhando as negociações, que confirmou as suspeitas da equipe. O que os executivos estavam negociando com a família e a matriz, era diferente do que era relatado à DAS.

O mais grave, porém, é que o time da casa não conseguia avançar na identificação da quadrilha e na localização do cativeiro. Às vésperas da data limite estabelecida pela quadrilha para o recebimento do resgate, havia apenas frágeis suspeitas sobre a origem do grupo e seus métodos, além de alguma idéia sobre as áreas de que partiam as ligações para a família.

Na madrugada de 24 de dezembro de 1997 as equipes da DAS estavam preparadas para o acompanhamento da gincana que precede o pagamento do resgate. Naquela manhã os negociadores ingleses sairiam pela cidade, sob orientação dos criminosos, para percorrerem diversos pontos, recolhendo bilhetes e indicações, de modo a permitir que a ausência de polícia na operação fosse verificada. Pelo final da tarde determinariam o local da entrega do dinheiro.

A primeira decisão de risco foi tomada na véspera: distribuir equipes pelas áreas que eram indicadas como prováveis locais de chamada pelos negociadores da quadrilha, esperando a única oportunidade para prendê-los, que seria logo pela manhã, no contato que daria início à gincana. A distribuição foi precisa: quando a ligação ocorreu, o rastreamento indicou um local no Centro, há menos de 500 metros de uma das equipes. Ocorreu que, quando a equipe foi contatada, ainda não tinha chegado ao local, estava atrasada! E a oportunidade melhor calculada foi perdida, deixando a sensação de ouro em pó escorrendo entre os dedos.

As equipes tentaram manter algum ritmo, inutilmente. Eram seis horas da tarde, com quase todos os procedimentos da gincana completados, faltando pouco para o dinheiro seguir, e nenhuma prisão fora feita, nenhuma nova informação chegara. Como abortar o pagamento sem uma contrapartida que desse segurança à vítima? Quando dinheiro saiu, uma moto e um carro não ostensivo da DAS aguardavam defronte ao flat dos ingleses, que foram seguidos discretamente. A gincana estava em seus últimos passos. Mais um bilhete, e o pagamento seria feito.

Foi quando o destino aprontou outra. A equipe de Vila Valqueire obteve pistas seguras do local do cativeiro. As equipes todas foram direcionadas ao local. Mas havia um problema: não haveria tempo para libertar a vítima e, depois, abortar o pagamento. O que fazer? Estava em jogo uma vida. Seria muito mais fácil permitir o pagamento do resgate e libertar a senhora, se fosse o caso. Nenhuma carreira policial correria qualquer risco, apenas o plano de ação naufragaria, nada mais.

O agente inglês levou um susto, quando teve seu carro fechado. Acreditava serem os seqüestradores. Um delegado de polícia identificou-se e informou-o que, por determinação do delegado titular da DAS, o pagamento não poderia ser feito e convidou-o a ir até a Divisão com o dinheiro do resgate. Um motorista da polícia assumiu a direção do veículo e dirigiram-se ao Leblon.

O local do cativeiro foi cercado por mais de quarenta agentes. Era uma demonstração de força, para que os seqüestradores que lá estivessem se entregassem. Foi o que aconteceu. Eram dois homens e duas mulheres. Abriram as portas, apontando para as armas colocadas sobre uma mesa.

Eram nove e meia da noite, 24 de dezembro de 1997. A senhora estava algemada a uma cadeira, no canto de um quarto, assustada com o movimento. “Fique tranquila, eu sou o delegado Marcos Reimão, e estamos aqui para levá-la para casa.” Os olhos cansados brilharam. D. Ilka não foi para casa, mas passou aquela noite de Natal em uma clínica da Zona Sul do Rio, com seu marido.

O dinheiro foi devolvido à família.
A partir deste caso, nenhum seqüestro ocorrido no Rio de Janeiro resultou em pagamento de resgate.
Todas as vítimas foram libertadas pela polícia.
Mais de 200 envolvidos foram presos e processados em dois anos.
A equipe que atrasou foi removida da DAS.
No ano seguinte a empresa inglesa mudou seus escritórios para São Paulo.

sábado, 14 de abril de 2012

Para entender as guerras do Rio e de Niterói

Milton Corrêa da Costa
O fenômeno do aumento dos atos de violência em Niterói tem levantado, ultimamente, a discussão entre os estudiosos da violência urbana. Apesar de enfraquecido hoje, pelo distanciamento de seus principais líderes trancafiados fora do estado e de consideráveis perdas financeiras, em razão do projeto do novo modelo de polícia de proximidade, com a implantação das UPPs em comunidades até então consideradas importantes redutos do tráfico, e mesmo com a permanente e dura repressão policial, é preciso entender que o narcoterrorismo não sucumbiu em sua essência, apesar de sua visível desestruturação (momentânea) com a tomada do Complexo do Alemão, em novembro de 2010.

A doutrina narcoterrorista hoje atua de forma descentralizada, em redes, com migração para outras localidades e direcionamanto para outros tipos de delito (vejam o crescimento do roubo de veículos), fato que dificulta a repressão policial, tornando-se novamente atuante, na busca incessante dos lucros, finalidade precípua do crime.

Basta observarmos os recentes resultados de operações policiais, inclusive em localidades ocupadas (armas e drogas apreendidas e bandidos presos) e os atos de violência perpetrados por traficantes -- na madrugada de sexta-feira, 13 de abril, seis traficantes de uma facção rival foram presos pela PM ao tentarem invadir e tomar o Morro do Palácio, em Niterói.

Ações contínuas de guerrilha urbana, com o emprego do elemento surpresa, mostram ainda um contexto de extrema violência, agora com evidente direcionamento de sensação de insegurança e medo difuso para o entorno do Grande Rio, a exemplo de Niterói, onde a Secretaria de Segurança, para conter a febre do crime, reduzir o temor da população e infundir sensação de segurança, acaba de instalar duas bases da Polícia Militar e reforçar o efetivo policial do 12° BPM. É evidente que quanto mais polícia ostensiva menor oportunidade do cometimento de delitos. A questão é que a polícia não é onipresente e o cobertor do efetivo policial continua sendo curto.

O outro grande de entrave à ação policial é que até hoje, apesar de 20 anos da luta permanente contra o narcoterrorismo não se sabe ao certo quantos são os traficantes que circulam pelos morros e favelas de toda a Região Metropolitana e o qual o quantitativo (aproximado) do arsenal de guerra que se encontra em suas mãos.

Por sua vez, os recentes episódios no Morro da Mangueira e na Cidade de Deus, de 'ordem' do tráfico para fechamento do comércio local são tentativas claras e orquestradas de desacreditar o projeto das UPPs e demonstrar que o narcoterrorismo ainda exerce, através do medo e do terror, domínio sobre a população, resultado de longos anos de relação de dominação e opressão pelo terror das armas de guerra. São resquícios das "zonas de anomia" que predominavam no Rio. Uma cultura fortemente arraigada que envolverá considerável tempo para ser mudada. Tal tipo de resistência, com a intimidação a comerciantes, favorece inegavelmente a ação marginal gerando o medo e o silêncio entre moradores, dificultando a ação de inteligência da força pacificadora para obter informações objetivando o seu planejamento preventivo e repressivo.

Trata-se de estratégia narcoterrorista muita nítida, com base em pressão psicológica sobre os habitantes da localidade, cuja contra ofensiva da força legal, num período de adaptação de um novo e importante modelo de policiamento, deverá estar voltada principalmente para o fortalecimento da ação psicossocial, na relação de parceria com a máxima aproximação da população alvo, inclusive no desenvolvimento de ações cívico-sociais que angariem a confiança a simpatia de moradores. Ações de estado que mostrem as vantagens da ambiência de paz social.

O período ainda é de afirmação do projeto UPPs e de combate permanente aos focos de resistência visando a consolidação futura de um importantíssimo projeto de governo, como única estratégia de polícia capaz de enfraquecer um modelo de criminalidade atípica como a do Rio. A luta contra o narcoterroismo no Rio está apenas começando e a paz social e o resgate da cidadania, como finalidades precípuas, também apenas se iniciam. A vontade política, a ação de polícia proativa – a que se antecipa ao crime pelos dados da inteligência- e o permanente combate à corrupção policial serão estratégias fundamentais para a consecução dos objetivos. Disso não há dúvida. O preço da paz social é a eterna vigilância.
Milton Corrêada Costa é coronel da PM do Rio de Janeiro na reserva