domingo, 14 de outubro de 2012

Ocupação de Jacarezinho e Manguinhos: mais uma vitória da sociedade, da lei e da ordem


Milton Corrêa da Costa

A análise contextual que se faz, sobre a ocupação das Favelas do Jacarezinho e Manguinhos, pelas forças de segurança, inclusive com apoio das Forças Armadas, é que estamos diante de mais uma ação estratégica da atual política de segurança no processo de enfraquecimento do narcoterrorismo no Rio. É como estivéssemos numa guerra convencional e precisássemos avançar no terreno e tomar dois importantes pontos estratégicos do inimigo. A tomada, principalmente da Favela do Jacarezinho, é a mais importante vitória da política de segurança do Estado, após as tomadas e pacificação do Complexo do Alemão e da Rocinha. Até porque, com a anunciada futura instalação da Cidade da Policia (Civil) e do Comando de Unidades de Operações Especiais da Polícia Militar, nas proximidades da região do Jacarezinho e de Manguinhos, onde atuam traficantes da maior facção criminosa do Rio, seria ilógico o poder legal conviver com a ilegalidade muito próxima.

Com relação à Favela de Jacarezinho há que se considerar que a localidade, de extensão territorial  considerável, com cerca de 950 mil metros quadrados, com grande densidade demográfica (38 mil habitantes) e baixíssimo índice de desenvolvimento humano (IDH), possui inúmeras entradas e saídas para pontos da Zona Norte e Leopoldina. fatos que sempre dificultaram sobremodo as incursões policiais no local , sendo até então reduto de homízio de perigosos marginais da lei, de guarda de armas de guerra, drogas e veículos roubados, além de conhecido ponto de partida e chegada dos chamados "bondes do terror".

Jacarezinho é também considerado hoje o principal ponto de comércio e consumo de crack no Rio. Manguinhos, localidade não menos violenta, e também de baixo IDH, de extensa área territorial, é outro ponto estratégico tomado,neste final de semana, localizando-se entre a Avenida Brasil, uma das mais importantes vias expressas da cidade, rota de passagem de entrada e saída do Rio, e a Avenida do Democráticos, onde a Rua Leopoldo Bulhões, via principal que divide a citada favela, em razão dos episódios de violência ali ocorridos, é chamada de "Faixa de Gaza". As duas favelas somadas e muito próximas, Jacarezinho e  Manguinhos, possuem um área de cerca de 3,5 milhões de metros quadrados, com um total aproximado de 75 mil habitantes.

O fato é que fica mais uma vez evidenciado que não há recuo da política de segurança do Governo do Estado. No entanto, na política de ocupação de territórios, até então dominados pelo poder paralelo, projetos sociais e de urbanismo precisam vir a seu reboque. Não basta libertar cidadãos do terror e da opressão dos fuzis de guerra, é preciso também que o resgate da cidadania seja pleno. Se quisermos um dia vencer a Guerra do Rio é preciso prosseguir, obstinadamente, ocupando territórios inimigos. O preço da liberdade e a da paz social é a eterna vigilância. Ponto para a polícia do Rio na missão de defesa da lei e da ordem. Agora há no Rio um remédio atípico para uma criminalidade atípica, que liberta cidadãos do medo, da opressão e do terror. A vitória maior é da sociedade. Sem dúvida.

Milton Corrêa da Costa é tenente-coronel da reserva da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro 

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

UPPS: de minha parte, obrigado


Zeca Borges

Conta-se muito esta história sobre Elizabeth I da Inglaterra. A rainha e seu protegido, Sir Walter Raleigh, divertiam-se a fumar charutos - na segunda metade do século XVI, isto devia ser uma grande novidade, dentre outras vindas da América.
Observando a fumaça, Raleigh afirmou que ela poderia ser pesada. E, apanhando um charuto novo, iniciou sua demonstração. Colocou-o numa balança e anotou seu peso. Acendeu-o e começou a fumá-lo, tendo o cuidado de colocar suas cinzas no prato da balança. Quando terminou, colocou o que restava do charuto junto às cinzas, e verificou o peso. A diferença que faltava, afirmou ele, era o quanto a fumaça pesava. Brilhante.
A rainha ficou ainda mais encantada com seu favorito. Embora tenha sido interessante, o que aconteceu depois já não tem relação com o assunto que iremos abordar. A história fica por aqui.

Uma das maiores contribuições de iniciativas como a das UPPs no combate ao crime tem muito a ver com a fumaça de charutos. Pode-se dizer o mesmo do Disque Denúncia e das ações preventivas da polícia civil e do BOPE, e, especialmente, das atuais atividades de policiamento ostensivo realizadas pela PM.
O resultado não aparenta peso, embora ele exista. A maneira de se obter esse peso tem algo a ver com o que Sir Walter Raleigh demonstrou. Se na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, os casos de homicídio caíram de acordo com as informações do ISP, podemos afirmar que 160 pessoas deixaram de morrer entre Janeiro e Agosto de 2012. Estas 160 vidas foram poupadas no período. É o quanto pesa a fumaça.
Nunca se saberá quem foram os que escaparam. Conhecemos apenas os 886 que foram mortos, quem são e como foram chorados. Mas não houve comemoração na família dos que estão vivos. Como posso estar entre eles, de minha parte, muito obrigado.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

UPP da Rocinha: a vitória da sociedade contra o banditismo


Milton Corrêa da Costa


A instalação, nesta quinta- feira 20/09, da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, assim como foi a ocupação do Complexo do Alemão e suas cercanias, pela união da forças de segurança, no memorável 25 de novembro de 2010, é um marco histórico da política de segurança do Estado, num projeto vitorioso de pacificação de comunidades até então submetidas, durante longos anos, ao medo, ao terror e à opressão das  arrmas de guerra, onde infelizmente algumas ainda se encontram sob o domínio de narcoterroristas em favelas não pacificadas, apesar da dura e permanente repressão policial.

A Rocinha, considerada até então área de difícil tomada pelas forças legais, face as suas características peculiares de favela-bairro e região extremamente acidentada (66% de sua área está acima da cota de 100m), era considerada o 'quartel general’ do poder financeiro do narcotráfico no Rio, fato que lhe conferia relevante importância estratégica na estrutura do narcoterrorismo. Situada na Zona Sul do Rio Barra da Tijuca , entre os bairros da Gávea e São Conrado, considerada a maior favela da América Latina (850 mil metros quadrados e 70 mil habitantes), a Rocinha era o principal centro de refino da pasta básica de coca no Rio, na produção da cocaína e outros derivados como o oxi e o crack - vários laboratórios de refino ali foram encontrados- além de importante centro de comércio do ecstasy, uma droga sintética muito consumida por jovens de classe média e alta. Por sua localização estratégica, situada entre a Zona Sul do Rio, atendia consumidores de drogas de maior.poder aquisitivo, os verdadeiros financiadores da violência e dos fuzis do banditismo.



É sabido que UPP não é projeto social, poré  é a estratégia de ordem pública que faltava para proceder a invasão social e trazer o resgate da cidadania e a paz a moradores das localidades onde estão instaladas. Na Rocinha falta saneamento básico -o índice de tuberculose na região é considerado alto- falta coleta eficiente de lixo, faltam ainda projetos de urbanismo, mas tudo isso será possível agora equacionar. Obviamente que não se pode imaginar, num processo de tamanha transformação, que moradores do local se livrem rapidamente do medo e das represálias do tráfico. As sequelas do medo e a desconfiança de moradores ainda persistirão por algum tempo. Só o tempo dará àquela comunidade e a outras já pacificadas- jã são 28 UPPs instaldas no Rio- a crença definitiva no poder legal do Estado. Haverá sempre um tempo de adaptação no aperfeiçoamento das relações polícia/comunidade, onde o policial militar precisa ser visto pelo morador da localidade como parceiro e verdadeiro defensor da cidadania e não como um simples fiscal da lei ou opressor. 

Fica constatado  também, que a era do “mitos do tráfico”, como o bandido Nem que ali reinava, é finda na Rocinha. O império agora é do poder legal do Estado, não o do medo e do terror. A consolidação da UPP na Favela da Rocinha é, portanto, o mais duro golpe até hoje desferido na estrutura econômica do narcotráfico no Rio e uma vitória da sociedade contra o banditismo. A Unidade de Polícia Pacificadora, uma estratégia de polícia de proximidade, é um novo tipo de policiamento, sólido e permanente na área de segurança pública. Uma política de estado. Um remédio atípico e eficiente para uma criminalidade atípica e violenta como a do Rio. 

A implantação da UPP da Rocinha representa, pois, mais um marco divisor na história policial do Rio, uma quebra de paradigmas e sobretudo a vitória da lei e da ordem. Ao governador Sérgio Cabral, ao secretário José Mariano Beltrame, ao aparelho policial do estado e aos dois policiais militares, que durante o processo de pacificação da localidade tombaram mortalmente no cumprimento do dever, os aplausos de toda a sociedade.O preço da liberdade e da paz social é a eterna vigilância. O sonho da paz agora é real.


Milton Corrêa da Costa é tenente coronel da reserva da PM do Rio de Janeiro

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Ao contrário de um balão, uma denúncia não cai do céu.


Há muito soltar balões deixou de ser uma brincadeira inocente. Toda a beleza e criatividade propostas pelas pessoas envolvidas com esta prática não mais disfarçam os perigos encobertos pela alegria das cores e dos movimentos no céu. É bonito, sim, mas as luzes de um balão nas noites frias de inverno podem ser prenúncio de acidentes muito graves.

O Disque Denúncia recebeu no ano passado mais de quatrocentas denúncias sobre balões e baloeiros, sobre depósitos, locais de festivais e de comércio de artefatos para confecção e soltura de balões. Foram apreendidos balões de mais de quarenta metros de altura, que representavam ameaça às nossas florestas, refinarias e aeroportos.

O assunto é sério: balões atentam contra a vida, contra a propriedade, contra a natureza, ameaçando atividades econômicas e sociais, trazendo riscos de acidentes e de incêndios.

O Programa Disque Balão funciona desde 1999, promovendo campanhas de esclarecimento e oferecendo recompensas a informações que levem à apreensão de balões e de material para sua fabricação. Há também o pagamento de prêmios às equipes de policiais que obtenham sucesso ao investigar estas denúncias.

As recompensas vão de trezentos a dois mil reais, dependendo do estrago causado à festa.


terça-feira, 8 de maio de 2012

Duas violências e uma lógica

Khalil Dale era um voluntário da Cruz Vermelha. Foi assassinado no Paquistão e seu corpo (separado da cabeça, segundo uma fonte) foi deixado em um pomar.
Havia uma exigência de resgate que não foi atendida e ele foi executado aos 60 anos de idade. Foi encontrada uma nota justificando a execução pelo não pagamento do resgate. Ele tinha sido sequestrado por um grupo armado.
Por que o resgate não foi pago? Porque é uma política da Cruz Vermelha Internacional, que proporciona ajuda humanitária em muitos países onde houve e há sequestros de pessoas com pedidos de resgate. Os dados mostram que o pagamento de resgate não garante a vida nem o regresso do sequestrado. Khalil foi sequestrado e retirado de um veículo da Cruz Vermelha, em janeiro, em Quetta. Ficou esses meses em poder dos sequestradores.
Khalil vivia em Dumfries, na Escócia, e nasceu em York, segundo o Herald Scotland e no Yemen, segundo o Muslim Times. Tinha se convertido há um ano ao islamismo mas, a despeito disso, não foi poupado numa região separatista com forte atuação de islâmicos radicais.

Segundo a polícia local, os talibãs divulgaram nota assumindo a responsabilidade pelo crime.



Antes de ontem, na Tijuca, minha mulher foi vítima de outro tipo de sequestro, um arrastão de um edifício de apartamentos na Tijuca (e não em Vila Isabel, como foi noticiado). Perdeu o celular, dinheiro, relógio e uma relíquia, medalha da Virgem Maria que pertencera a minha mãe. Havia cerca de vinte reféns, inclusive crianças, e os cinco ou seis assaltantes trataram os reféns com brutalidade. Levaram um policial rodoviário como garantia. O preguiçoso repórter que cobria a área ficou na polícia, não entrevistou as vítimas e o jornal deu um show de incompetência. Errou, errou e errou.  
O que penso, nesse momento confuso, a respeito desses acontecimentos tão distantes no espaço e tão perto na animalidade? 
Há uma crise de valores, na qual a vida humana vale pouco ou nada. É a Lei de Gerson em escala mundial. A vida “dos outros” é trocada por bens materiais; é trocada por poder, é trocada por prazer. Há um consumerismo do espírito. A religião não é garantia de proteção e, às vezes, promove a violência nas Jihads iniciadas por religiões e culturas diferentes. Não é exclusividade de radicais islâmicos. 
O amor pelas pessoas deu lugar à adoração pelas coisas.  

GLÁUCIO SOARES             IESP/UERJ  

Fontes:
The Muslim Times, 4 de maio de 2012
Herald Scotland , 4 de maio de 2012 

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Anotações de como o Rio venceu o sequestro.

No final de 1997, foi sequestrada na Tijuca uma senhora de 74 anos, mulher do ex-presidente de uma grande multinacional. Um mês antes o Rio tinha estabelecido um plano de combate ao seqüestro, baseado num acurado diagnóstico. Era este seu primeiro grande teste.

A DAS iniciou suas investigações de acordo com as diretrizes programadas: além do uso de tecnologias avançadas de inteligência e de investigação, três objetivos principais deveriam ser atingidos para a operação ser considerada um sucesso: a vítima deveria ser libertada graças à ação da polícia; o resgate não poderia ser pago; e seqüestradores deveriam ser presos. O delegado Marcos Reimão não abria mão de qualquer destes princípios, tendo em vista que o objetivo final era livrar o Rio de Janeiro daquele tipo de crime.

Acontece que, nem bem iniciadas as investigações, entraram em cena executivos ingleses, de uma empresa especializada em negociar libertação de reféns para seguradoras internacionais. Logo ficou claro que havia uma diferença de objetivos entre os dois grupos. Foi percebido que aqueles estrangeiros gentis podiam estar ocultando dados, em favor de sua estratégia de levar os seqüestradores a libertar a vítima assim que possível. Reimão colocou - sem informar detalhes de sua qualificação - um delegado fluente em inglês acompanhando as negociações, que confirmou as suspeitas da equipe. O que os executivos estavam negociando com a família e a matriz, era diferente do que era relatado à DAS.

O mais grave, porém, é que o time da casa não conseguia avançar na identificação da quadrilha e na localização do cativeiro. Às vésperas da data limite estabelecida pela quadrilha para o recebimento do resgate, havia apenas frágeis suspeitas sobre a origem do grupo e seus métodos, além de alguma idéia sobre as áreas de que partiam as ligações para a família.

Na madrugada de 24 de dezembro de 1997 as equipes da DAS estavam preparadas para o acompanhamento da gincana que precede o pagamento do resgate. Naquela manhã os negociadores ingleses sairiam pela cidade, sob orientação dos criminosos, para percorrerem diversos pontos, recolhendo bilhetes e indicações, de modo a permitir que a ausência de polícia na operação fosse verificada. Pelo final da tarde determinariam o local da entrega do dinheiro.

A primeira decisão de risco foi tomada na véspera: distribuir equipes pelas áreas que eram indicadas como prováveis locais de chamada pelos negociadores da quadrilha, esperando a única oportunidade para prendê-los, que seria logo pela manhã, no contato que daria início à gincana. A distribuição foi precisa: quando a ligação ocorreu, o rastreamento indicou um local no Centro, há menos de 500 metros de uma das equipes. Ocorreu que, quando a equipe foi contatada, ainda não tinha chegado ao local, estava atrasada! E a oportunidade melhor calculada foi perdida, deixando a sensação de ouro em pó escorrendo entre os dedos.

As equipes tentaram manter algum ritmo, inutilmente. Eram seis horas da tarde, com quase todos os procedimentos da gincana completados, faltando pouco para o dinheiro seguir, e nenhuma prisão fora feita, nenhuma nova informação chegara. Como abortar o pagamento sem uma contrapartida que desse segurança à vítima? Quando dinheiro saiu, uma moto e um carro não ostensivo da DAS aguardavam defronte ao flat dos ingleses, que foram seguidos discretamente. A gincana estava em seus últimos passos. Mais um bilhete, e o pagamento seria feito.

Foi quando o destino aprontou outra. A equipe de Vila Valqueire obteve pistas seguras do local do cativeiro. As equipes todas foram direcionadas ao local. Mas havia um problema: não haveria tempo para libertar a vítima e, depois, abortar o pagamento. O que fazer? Estava em jogo uma vida. Seria muito mais fácil permitir o pagamento do resgate e libertar a senhora, se fosse o caso. Nenhuma carreira policial correria qualquer risco, apenas o plano de ação naufragaria, nada mais.

O agente inglês levou um susto, quando teve seu carro fechado. Acreditava serem os seqüestradores. Um delegado de polícia identificou-se e informou-o que, por determinação do delegado titular da DAS, o pagamento não poderia ser feito e convidou-o a ir até a Divisão com o dinheiro do resgate. Um motorista da polícia assumiu a direção do veículo e dirigiram-se ao Leblon.

O local do cativeiro foi cercado por mais de quarenta agentes. Era uma demonstração de força, para que os seqüestradores que lá estivessem se entregassem. Foi o que aconteceu. Eram dois homens e duas mulheres. Abriram as portas, apontando para as armas colocadas sobre uma mesa.

Eram nove e meia da noite, 24 de dezembro de 1997. A senhora estava algemada a uma cadeira, no canto de um quarto, assustada com o movimento. “Fique tranquila, eu sou o delegado Marcos Reimão, e estamos aqui para levá-la para casa.” Os olhos cansados brilharam. D. Ilka não foi para casa, mas passou aquela noite de Natal em uma clínica da Zona Sul do Rio, com seu marido.

O dinheiro foi devolvido à família.
A partir deste caso, nenhum seqüestro ocorrido no Rio de Janeiro resultou em pagamento de resgate.
Todas as vítimas foram libertadas pela polícia.
Mais de 200 envolvidos foram presos e processados em dois anos.
A equipe que atrasou foi removida da DAS.
No ano seguinte a empresa inglesa mudou seus escritórios para São Paulo.

sábado, 14 de abril de 2012

Para entender as guerras do Rio e de Niterói

Milton Corrêa da Costa
O fenômeno do aumento dos atos de violência em Niterói tem levantado, ultimamente, a discussão entre os estudiosos da violência urbana. Apesar de enfraquecido hoje, pelo distanciamento de seus principais líderes trancafiados fora do estado e de consideráveis perdas financeiras, em razão do projeto do novo modelo de polícia de proximidade, com a implantação das UPPs em comunidades até então consideradas importantes redutos do tráfico, e mesmo com a permanente e dura repressão policial, é preciso entender que o narcoterrorismo não sucumbiu em sua essência, apesar de sua visível desestruturação (momentânea) com a tomada do Complexo do Alemão, em novembro de 2010.

A doutrina narcoterrorista hoje atua de forma descentralizada, em redes, com migração para outras localidades e direcionamanto para outros tipos de delito (vejam o crescimento do roubo de veículos), fato que dificulta a repressão policial, tornando-se novamente atuante, na busca incessante dos lucros, finalidade precípua do crime.

Basta observarmos os recentes resultados de operações policiais, inclusive em localidades ocupadas (armas e drogas apreendidas e bandidos presos) e os atos de violência perpetrados por traficantes -- na madrugada de sexta-feira, 13 de abril, seis traficantes de uma facção rival foram presos pela PM ao tentarem invadir e tomar o Morro do Palácio, em Niterói.

Ações contínuas de guerrilha urbana, com o emprego do elemento surpresa, mostram ainda um contexto de extrema violência, agora com evidente direcionamento de sensação de insegurança e medo difuso para o entorno do Grande Rio, a exemplo de Niterói, onde a Secretaria de Segurança, para conter a febre do crime, reduzir o temor da população e infundir sensação de segurança, acaba de instalar duas bases da Polícia Militar e reforçar o efetivo policial do 12° BPM. É evidente que quanto mais polícia ostensiva menor oportunidade do cometimento de delitos. A questão é que a polícia não é onipresente e o cobertor do efetivo policial continua sendo curto.

O outro grande de entrave à ação policial é que até hoje, apesar de 20 anos da luta permanente contra o narcoterrorismo não se sabe ao certo quantos são os traficantes que circulam pelos morros e favelas de toda a Região Metropolitana e o qual o quantitativo (aproximado) do arsenal de guerra que se encontra em suas mãos.

Por sua vez, os recentes episódios no Morro da Mangueira e na Cidade de Deus, de 'ordem' do tráfico para fechamento do comércio local são tentativas claras e orquestradas de desacreditar o projeto das UPPs e demonstrar que o narcoterrorismo ainda exerce, através do medo e do terror, domínio sobre a população, resultado de longos anos de relação de dominação e opressão pelo terror das armas de guerra. São resquícios das "zonas de anomia" que predominavam no Rio. Uma cultura fortemente arraigada que envolverá considerável tempo para ser mudada. Tal tipo de resistência, com a intimidação a comerciantes, favorece inegavelmente a ação marginal gerando o medo e o silêncio entre moradores, dificultando a ação de inteligência da força pacificadora para obter informações objetivando o seu planejamento preventivo e repressivo.

Trata-se de estratégia narcoterrorista muita nítida, com base em pressão psicológica sobre os habitantes da localidade, cuja contra ofensiva da força legal, num período de adaptação de um novo e importante modelo de policiamento, deverá estar voltada principalmente para o fortalecimento da ação psicossocial, na relação de parceria com a máxima aproximação da população alvo, inclusive no desenvolvimento de ações cívico-sociais que angariem a confiança a simpatia de moradores. Ações de estado que mostrem as vantagens da ambiência de paz social.

O período ainda é de afirmação do projeto UPPs e de combate permanente aos focos de resistência visando a consolidação futura de um importantíssimo projeto de governo, como única estratégia de polícia capaz de enfraquecer um modelo de criminalidade atípica como a do Rio. A luta contra o narcoterroismo no Rio está apenas começando e a paz social e o resgate da cidadania, como finalidades precípuas, também apenas se iniciam. A vontade política, a ação de polícia proativa – a que se antecipa ao crime pelos dados da inteligência- e o permanente combate à corrupção policial serão estratégias fundamentais para a consecução dos objetivos. Disso não há dúvida. O preço da paz social é a eterna vigilância.
Milton Corrêada Costa é coronel da PM do Rio de Janeiro na reserva

quarta-feira, 28 de março de 2012

Millôr esculhamba o Disque-Denúncia - 1996

Corria o ano de 1996 e o Disque-Denúncia conseguia mobilizar a população do Rio de Janeiro a combater o crime, levando a polícia a vencer a batalha contra a indústria do sequestro. Parecia que a Central DD era uma unanimidade, quando Millôr publicou o texto abaixo. Embora não concordemos com seus argumentos, pois denúncia e delação são coisas muito diferentes, foi para nós um momento muito importante de reflexão sobre a nossa atividade e seu valor. 

Nota-se que houve uma modificação após o 11/setembro/2001, mas o recado continuou igual. Leia O Delator, de Millôr Fernandes:

O Delator

A coisa mais odiosa inventada para usar o trôpego caráter humano é a delação. Quando vejo, aqui mesmo no Rio, esse anúncios oficiais de grandes empresas, bancos, ônibus etc, gritando DENUNCIE sinto vergonha por vocês, já que eu, pra sobreviver, resolvi ser sem vergonha (duas palavras, por favor).

Pessoalmente eliminei a possibilidade de aceitar esse nojo psíquico quando, menino, vi o filme O DELATOR, dirigido por John Ford (grande quando dirigia dramas como este ou filmes românticos como Como Era Verde o Meu Vale). Marcou-me para sempre, tanto que lembro do filme hoje, quase sem apoio de informações atuais.

No papel do delator perfeito estava Victor McLaglen, um grosso admirável. Era delator por razões pungentes e sofria o tempo todo as dores da infâmia. McLaglen fez, durante 50 anos, 121 filmes. Ninguém mais se lembra dele. Repito, pros que vivem lutando por notinhas de jornal: assim passa a glória do mundo.

Ser delator, pelo menos teoricamente, ainda é o máximo da degradação humana. Nos grupos mafiosos - perdoa-se tudo menos trair a omertá - e nos grupos marginais de todo o mundo e de toda a história, desde os assaltantes de estrada do sul da Itália, de Nunzio Romanetti, até entre os cabras de Lampião. Delator não tem perdão.

Agora Bush não só justifica, glorifica, e dá prêmio em dinheiro à infâmia. Chegamos à infâmia globalizada. E patriótica.

PS. Perdão, mas no dia 23 de outubro de 2001, em nosso Saite, pesquisamos o que os teleitores preferiam:

1) Entregar Bin Laden a Bush.
2) Entregar Bush a Bin Laden.
3) Apelar para Monica Lewinsky.

Em uma semana responderam 6.431 pessoas (mais do que a qualquer ibope desses que andam por aí dirigindo eleições).
Apenas 2% dos teleitores foram favoráveis a entregar Bin Laden a Bush, 74% votaram por entregar Bush a Bin Laden! Gozadores, 24% dos teleitores acharam que um boquete de Monica Lewinsky pelo menos transferiria a crise internacional para o Supremo americano. 

Texto extraído da sessão do Millôr no portal UOL

domingo, 18 de março de 2012

Histórias do Disque-Denúncia

O Verdadeiro Herói - 2009
(por Mauro Ventura)


Os jornais dão hoje o devido destaque à prisão ontem à noite de Romarinho, suspeito de latrocínio de Evandro, do AfroReggae. Leio que o Serviço Reservado da PM, a P2, comandou a prisão, feita em conjunto com a Polícia Civil.

O comandante da PM destacou a parceria das polícias. Já o comandante da P2 disse que a prisão era "questão de honra" para a PM. Pelo que se lê, foi um trabalho exemplar de investigação da polícia.
Não foi bem assim. Às 10h da manhã de ontem, o Disque-Denúncia (DD) recebeu a informação de quem eram os culpados e onde estava Romarinho. Repassou tudo à polícia, que foi lá e prendeu um dos bandidos.
Só não deu o devido crédito, preferindo capitalizar a prisão. A população lê e pensa: "Finalmente a polícia investigou", sem se dar conta de que ela mesma é que foi a verdadeira detetive do caso.


Tudo bem a polícia alardear a captura, mas seria bom se tivessem dito que o herói da história foi um cidadão anônimo que telefonou para o DD e contou tudo.


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quinta-feira, 15 de março de 2012

Histórias do Disque-Denúncia

O Delegado que Panfletava Cadáveres - 1991
Em abril de 1991, quatro anos antes da criação do Disque-Denúncia, o delegado Paulo Souto (mais tarde subsecretário de Integração Operacional da Secretaria de Segurança) assumiu a delegacia de Comendador Soares, em Nova Iguaçu. Os grupos de extermínio impunham o terror na região. Na delegacia de Paulo Souto, o número de homicídios oscilava entre 20 e 25 ao mês, e já no dia da posse houve três assassinatos. Os crimes ocorriam principalmente em determinados bairros e tinham características semelhantes. 


Um homicídio numa localidade chamada Palhada, porém, viria a mudar a rotina da delegacia. A vítima era um rapaz entre 19 e 20 anos, baleado perto de uma birosca. “Eu cheguei de gravatinha e prancheta e comecei a perguntar se as pessoas o conheciam”, lembra Paulo Souto. “Só descobri que ele era da localidade. E nada mais”. Ainda assim, o delegado insistiu em ficar. Num dado momento, um bêbado irrompeu a cena do crime. “Doutor, todo mundo aqui sabe quem matou”, gritou o bêbado. Fez-se um silêncio de cemitério. E ele recomeçou: “Eu também sei”. À medida que o delegado se aproximava, o bêbado reagiu: “Não adianta nem vir falar comigo porque eu não vou falar. Se eu falar eu vou morrer”. Seguiu-se uma risada constrangida. E ninguém disse mais nada. “Saí dali com inúmeras testemunhas arroladas e a nítida sensação de que estava sendo enganado. Todo mundo sabia quem era o assassino, mas ninguém iria me dizer porque corria risco de vida”, diz o delegado. “No decurso da investigação vim a saber que naquele dia o criminoso estava no bar, misturado às testemunhas”.

Ao regressar à delegacia, Paulo Souto sentia-se de pés e mãos atados. Sabia que precisava das testemunhas para esclarecer o crime e sabia que elas tinham medo de falar. “Foi quando eu resolvi criar um panfleto, chamado panfleto do cadáver. Era um quarto de folha de ofício que dizia o seguinte: ‘Você que presenciou este crime certamente será a próxima vítima. Denuncie por carta ou por telefone ao delegado Paulo Souto. Não precisa se identificar. Denuncie anonimamente’. Abaixo, o telefone da delegacia”, conta. A cada homicídio, 200, 300 panfletos eram distribuídos ao redor da área do crime. Enquanto isso, o delegado freqüentava reuniões de moradores, tentando ganhar a confiança da população. As denúncias não tardaram a chegar. “Aos poucos fomos identificando os matadores pelos bairros e centrando as investigações neles. Durante o ano de 1991 um número grande de criminosos foi preso graças às denúncias anônimas. Depois vim a saber que isso já tinha sido usado muitos anos antes no Canadá”, relembra Paulo Souto.

A precursora experiência do delegado Souto foi uma das bases da implantação do Disque-Denúncia em 1995.